quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Na cama dos pais (ou não…)

Crianças, pais e cama própria é um assunto tantas vezes abordado, mas sempre com questões intermináveis para os pais. Há mesmo quem afirme que os seus filhos não são capazes de dormir / adormecer sozinhos “eu sei que outros conseguem, mas o(a) meu (minha) não dá… já tentei e não funciona.”.

Todas as crianças conseguem adormecer sozinhas! Precisam de treino, de ser ensinadas – uma demoram mais tempo; outras demoram menos, mas todas são capazes. Muitas das vezes a dificuldade está nos pais. É aos pais a quem mais custa deixar os seus filhos sozinhos no quarto até adormecerem ou mesmo a dormir sozinhos. Quer por pensarem que os filhos podem não estar bem, sem companhia; quer por os próprios pais (entenda-se os dois ou só a mãe ou só o pai) não quererem estar sem a companhia da criança.

A questão principal deve centrar-se em “é importante a criança ter o seu próprio quarto / cama para dormir?"; “é importante a criança adormecer sozinha ou posso fazer-lhe companhia até adormecer?”.
As respostas: As crianças devem ter o seu próprio quarto, cama própria e adormecer sozinhas. É importante e saudável que assim seja. Naturalmente que poderão reclamar a presença dos pais; reagir por não quererem estar sozinhas; chorar, chamar… Os pais devem ir, apoiar, mostrar que estão presentes e atentos, mas voltar a sair até que a criança consiga adaptar-se ao seu quarto e ao facto de adormecer sem companhia. Os pais devem “aguentar” este choro / chamamento / reclamação sem cederem a passa-los para a cama dos pais ou a ficarem junto da criança até que esta adormeça.

O “contacto” com os seus medos, com o desconforto que poderá provocar a noite e o estar sozinha, proporciona à criança a possibilidade de poder confrontar-se com isso mesmo, aprendendo a geri-los interiormente e ultrapassá-los. Esta conquista favorece a sua autonomia emocional, o que é de extrema relevância no desenvolvimento emocional infantil. Isto proporciona à criança perceber que é capaz; que consegue transpor barreiras (neste caso as do medo, por exemplo) e a sentir-se segura, sem precisar para tal da presença constante do adulto. Isto é, neste confronto entre os seus receios, o estar sozinha num espaço e perceber que a presença do adulto é uma certeza – ainda que sem contacto visual – a criança cresce de forma mais autónoma e, portanto, necessariamente mais saudável. Este poderá ser entendido como um dos caminhos pelo qual os pais dão aos seus filhos ferramentas para se alicerçarem numa confiança e segurança evolutivas que vem de dentro, ao invés de crescerem a pensar que precisam sempre de um apoio; de uma bengala exterior (os pais, por exemplo), tal como acontecia quando nasceram.
Alexandra Silva Nunes
Psicóloga / Psicoterapeuta
Cédula Profissional nº 3347

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Infância 100 limites

No que parece uma tentativa de corrigir o autoritarismo que militava na educação das anteriores gerações, os actuais pais tendem a compensar os filhos com excessiva permissividade. Passámos de um extremo ao outro.

O autoritarismo expressa-se por regras estanques e invioláveis, independentemente das circunstâncias e, muitas das vezes, por uma ausência de diálogo no sentido de adaptar as normas exigidas às diversas situações. Como consequência, temos uma relação pais/filhos distante, assente numa base emocional pouco sólida e com uma estrutura de relacionamento frágil. Já a permissividade revela-se numa ausência (quase) total de toda e qualquer regra, toda e qualquer repreensão, aceitação de todos os desejos expressos pela criança /adolescente, sem objecções. Esta atitude de facilitismo por parte dos pais promove uma insegurança e instabilidade crescentes – a criança desconhece quem a dirige, a acompanha, a apoia e suporta nas suas crises, criando um sentimento de pseudo abandono. A boa intenção parental, neste caso, é mais prejudicial do que benéfica - a criança experiencia uma desorganização interna, em termos emocionais, e manifesta essa desorganização, nomeadamente, através das chamadas “birras” frequentes. Por norma, este comportamento é revelador desse mal-estar interno.

Existirá, então, um modelo ideal para educar um ser em desenvolvimento? Não se pode dizer que exista uma regra de ouro, mas procurar equilibrar as atitudes parentais entre um excesso – autoritarismo – e o outro – facilitismo – será um bom passo para um desenvolvimento mais harmonioso. O ideal é, portanto, evitar os extremos, tão frequentemente incorrectos. Procuremos optar pelo meio-termo entre um autoritarismo impróprio (ausência de diálogo, regras incontornáveis e imutáveis) e a permissividade excessiva (de um grau de disciplina nível zero e de uma satisfação permanente de todos os desejos expressos pela criança).

A disciplina na educação é importante na medida em que define, durante o desenvolvimento infantil e juvenil, os limites por que nos orientamos. Promove o equilíbrio emocional, uma vez que delimita o nosso comportamento, dirige as nossas atitudes e permite-nos desenvolver a capacidade de aceitar as frustrações do dia-a-dia e saber lidar com elas – gerindo-as e ultrapassando-as, vivendo harmoniosamente em sociedade. Estas mesmas regras e limites permitem à criança ser correspondida nas expectativas, ou seja, se conheço os meus limites sei o que esperar de determinada atitude ou exigência. Isto é fundamental para uma criança ser correspondida nas suas expectativas; saber o que pode esperar; com o que pode contar. Para tal é preciso que a criação e transmissão desta disciplina seja implementada com consistência e coerência – os pais não podem proibir agora o que permitem daqui a pouco, por exemplo. Sendo ainda que a recusa de um desejo deve sempre ser acompanhada de uma justificação, ao invés do inapropriado “não, porque não!”.

Apesar de não existir a já referida e tão almejada regra de outro que possa aplicar-se a todas as crianças e adolescentes de forma a garantir a educação ideal, deixamos aqui algumas dicas mais generalistas para que possam servir de reflexão, tanto no registo da transmissão das regras, como no da atenção que deve ser dispensada à criança.

Dicas para disciplinar:
·       *  Procure não dar uma ordem se não estiver convicto de que é, realmente, para cumprir; por exemplo: pais que aumentam o tom de voz para exigir a arrumação do quarto, mas que, enquanto ralham, vão arrumando o quarto em simultâneo. A criança, aos poucos, desvaloriza o tom de voz e a exigência, porque percebe que não tem que cumprir nenhum objectivo, vai continuar a desarrumar o quarto e só precisa de estar preparada para ouvir o/a pai/mãe a falar alto por uns minutos. Em contraposição, tente transmitir a regra com um tom firme, directa e sem reticências. Não precisa aumentar o tom de voz, basta demonstrar que pretende realmente a arrumação – levada a cabo pelo(a) seu (sua) filho(a) – em tom sério, claro, preciso e sem que fique a ideia que se trata de um pedido porque, de facto, não o é. Certifique-se ainda de que o(a) seu (sua) filho(a) está a prestar atenção ao que lhe transmite sem interferências distrativas (jogos, amigos, etc).

·   *  O cumprimento das regras deve sempre gerar o reforço positivo. Também aqui deve ser claro e directo, por exemplo “gosto quando arrumas o quarto” ou “é muito bom quando fazes o que te digo”. Ao reforçar positivamente a conduta do seu filho, sempre que merecido, quer por palavras, quer por gestos de carinho, está a demonstrar-lhe que valoriza o seu comportamento e que está atenta a este, instigando a perpetuação de uma boa conduta

Revele interesse e atenção:
·     *   Preste atenção ao que o seu filho lhe quer contar ao fim do dia, revelando-lhe que se interessa pelas suas histórias. Exemplo: “Fico muito contente que partilhes isso comigo” ou “é bom saber o que acontece contigo quando estás com os teus amigos”. Adicionalmente, tente colocar-lhe questões sobre o que lhe está a contar, demonstrando que está realmente a ouvi-lo e interessado”. Por exemplo: “quer dizer, então, que te pareceu melhor fazer… “ ou “sim, sim estou a perceber o que me queres dizer. Fizeste isto ou aquilo porque…”

·      *   Pergunte-lhe se tem alguma coisa que queira contar-lhe, mas sem que a criança se sinta invadida pela curiosidade, ou seja, saiba aceitar caso não tenha nada para contar: “queres contar-me alguma coisa sobre o teu dia?” ou “parece que não te apetece falar, eu entendo, quero só que saibas que me interesso pelo que fazes e gosto que o partilhes comigo”. Deixe explícita a sua disposição e disponibilidade para a ouvir atentamente, sempre que exista essa necessidade. No entanto, a sua manifestação de aceitar o silêncio pode também ser preciosa. Apesar de(a) seu (sua) filho(a), a criança tem direito à sua privacidade e a optar pelo momento em que está disposta a partilhá-la consigo.


Alexandra Silva Nunes
Psicóloga / Psicoterapeuta
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QI versus QE

Vivemos numa sociedade que muito tem evoluído em termos de taxa de alfabetização. Nos últimos 40 anos, em Portugal, a curva destes gráficos é significativamente muito positiva.

Por força de circunstâncias várias, tornámo-nos mais atentos ao desenvolvimento cognitivo e, desde muito pequenos, os miúdos são muito estimulados para o conhecimento e a aprendizagem e recebem de pais e professores a expectativa avantajada de que o caminho é esse e “não deves falhar”.

O tempo de brincadeira fica encurralado nos intervalos do conhecimento e das atividades extra-curriculares. Que é como quem diz que não há tempo para brincadeiras livres. Aquelas em que não há o adulto a dirigir o momento, em que as regras e o cumprimento delas, cabe apenas aos miúdos. Aqueles momentos em que eles trocam experiências e aprendem com isso e que, dessa forma, ficam a conhecer-se melhor; que têm oportunidade de realmente empatizar uns com os outros. Agora, não há tempo! Agora, terminam a pré-primária a saber ler…

Os adultos, os cuidadores, tendem a ficar muito orgulhosos de verem os filhos crescer e já tão dotados de tanto conhecimento; já com tão boas notas que recebem como resultado dos testes de avaliação que fazem na escola. E estes factos ganham uma dimensão tão grande que não tem termo de comparação com a dimensão social. Parecem sobrevalorizar o aspeto escolar (cognitivo) e secundarizar o aspeto social/individual (emocional). Está bem inserido no grupo? Como funciona a relação com os pares? A integração parece adequada, mas conhece os limites e as regras do seu comportamento em relação ao outro – da sua idade e do adulto? Como gere as suas frustrações? Descarrega-as nos amigos ou consegue uma forma mais elaborada (tendo em conta a idade)? É sensível ao amigo ou passa-lhe por cima sem perceber o impacto que isso pode ter nele?

Negligenciar a importância de que as crianças se confrontem consigo e com os outros, para reconhecerem sentimentos, receios, motivações e intenções – suas e dos demais -, é progredir num caminho que nos conduz à insensibilidade, à indiferença e até ao desprezo pelos outros. É ir a trote de uma sociedade que apesar de mais instruída, mais culta e bem falante, os elementos que a compõem (pessoas) parecem ir perdendo o conhecimento básico de relacionar-se com os seus iguais.

É importante perceber se os filhos que vemos crescer conseguem desenvolver tão bem o famoso QI (quociente de inteligência), mas sem descurar a importância do QE (quociente emocional). Afinal de contas, de que nos serve um cérebro pejado de conhecimento, se não tiver a capacidade de reconhecer os seus sentimentos e os dos outros; se não souber interagir em grupo? A escolarização incute erradamente a ideia de que saber pensar é saber gramática, é saber fazer contas, resolver problemas e por aí adiante. Tem o cunho de que saber pensar e fazer tudo isto bem feito é ser inteligente. Mas, na realidade, as boas notas na escola não definem a capacidade, ou não, de pensar de uma criança. Saber pensar vai para além da linguagem escrita que a escola ensina. Ainda que seja inteiramente útil e necessária (matéria indiscutível!), não pode encerrar por si só o capítulo do conhecimento. Não pode anular a importância do falar, dialogar e do brincar.

Os parágrafos que se seguem são exemplos de meninos que mostram aos adultos como se pensa. Como têm a capacidade de PENSAR…

O M. de 7 anos, relativamente à importância que sentia dada à nota “Muito bom” (que ele próprio também tem) perguntou à mãe se “Satisfaz” é um mau resultado. Quando a mãe disse que também é uma boa nota, ele respondeu que “os amigos que têm “Satisfaz” depois chegam ao recreio e sabem brincar, mas os que têm “Muito Bom”, não sabem”.

O G., de 7 anos, sobre um amigo que chora na sala de aula, sempre que se sente questionado pela professora, dizendo não saber a matéria: “ Ele lá dentro dele, ele sabe. Por fora, é que ele pensa que não sabe”.

Menino a quem perguntaram o que é um segredo “Um segredo é uma coisa que os adultos dizem ao ouvido uns dos outros até toda a gente saber” in Santos, João dos (1988), “Se não sabe por que é que pergunta? conversas com João Sousa Monteiro”, Assírio & Alvim

Alexandra Silva Nunes
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